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Mudar a direção do projeto europeu é possível, mas é preciso também que os cidadãos se envolvam em muito maior escala 

Maria João Rodrigues

Leia o artigo na página do Jornal Público

Queremos Europa, mas outra Europa! Mas como mudar uma coisa que parece tão opaca? Estes são os sentimentos dominantes nas sondagens de opinião aos cidadãos europeus, e portugueses também.

Queremos Europa! Se há alguma virtude no “Brexit”, mesmo em países conduzidos por governos hostis à União Europeia, como Itália, Hungria e Polónia, é que a população europeia prefere manter-se nesta União porque percebe que ela tem, apesar de tudo, vantagens comprovadas. Porque permitiu criar uma perspetiva de paz, democracia e prosperidade para todo um continente, antes dilacerado por múltiplos conflitos. Porque a escala europeia é vital para ter peso na resposta aos novos desafios globais, da mudança climática à revolução digital e aos acordos comerciais. E porque isso se tornou ainda mais evidente num mundo marcado pelo jogo de forças entre potencias onde o nacionalismo ressurgiu, da Rússia ao Brasil e aos EUA.

Mas outra Europa! Isto depende da possibilidade de fazer escolhas políticas sobre a direção do projecto europeu e ela começou a existir porque a política europeia esta a mudar. A construção europeia está a passar do modo tecnocrático do passado – debates e decisões só para os iniciados –​ para um modo mais democrático em que grandes escolhas são submetidas ao debate e decisão dos cidadãos após serem formuladas por grandes famílias políticas que se organizaram entretanto à escala europeia: elas promovem hoje uma coordenação crescente, envolvendo grupos parlamentares no Parlamento Europeu e nos parlamentos nacionais, primeiros ministros no Conselho Europeu, ministros no Conselho, comissários na Comissão Europeia, redes de autarcas, fundações políticas europeias e nacionais e uma miríade de relações com a sociedade civil, organizada também ao nível europeu. Há, porém, que colmatar um atraso no espaço mediático, onde as lógicas nacionais são ainda predominantes, mesmo nas redes sociais, também devido às diferenças linguísticas.

É pois chegado o tempo de tornar mais claras estas grandes escolhas sobre o que queremos para o destino europeu. Tanto mais que ele está hoje sob um grande conflito histórico: a liderança por forças conservadoras e neo-liberais ao longo dos últimos anos congelou o status quo europeu, reduzindo as mudanças ao mínimo e minou dimensão protetora da União Europeia. Isto gerou uma contra-reação por forças políticas nacional-populistas, que recrudesceram explorando as tensões migratórias, e que argumentam agora que é preciso regressar à Europa das nações e das fronteiras nacionais para proteger as pessoas.

O terceiro polo da política europeia provem de forças pró-europeias de sentido progressista. Elas argumentam que é preciso outra Europa para promover uma proteção credível das pessoas e do modo de vida europeu e estão a pugnar por grandes iniciativas à escala europeia. Quais as iniciativas que estarão a ser submetidas a votos nas instituições europeias nos próximos meses e que serão levadas às eleições europeias se forem bloqueadas?

Em face das mudanças climáticas hoje evidentes, a implementação do Acordo de Paris tem mesmo de avançar com novos padrões energéticos, mas com sentido de justiça social e fiscal, criando novos empregos para substituir os destruídos e evitando o agravamento de impostos aos mais desfavorecidos. Mas as forças europeias conservadoras têm vindo a resistir com o argumento de que o problema não é assim tão dramático ou de que todos devem arcar com o aumento de impostos.

Em face das desigualdades sociais devido à precarização no mercado de trabalho e às novas plataformas digitais, o Pilar Social Europeu recém aprovado deveria introduzir garantias básicas para todos de contrato de trabalho, acesso à proteção social, saúde e educação. Mas as forças europeias conservadoras resistem a estes novos direitos sociais, argumentando com os imperativos da competitividade, como se ela não dependesse também da qualidade dos recursos humanos.

Em face do sub-investimento crónico a que a Europa está submetida é preciso ampliar as capacidades de investimento, estabilizando o acesso ao crédito, alavancando o investimento privado com investimento público estratégico, reforçando o orçamento comunitário, criando um orçamento para a zona euro e obtendo receitas fiscais a partir de actividades que quase não pagam impostos, como a especulação financeira e os grandes operadores digitais. As forças europeias conservadoras resistem argumentando com a necessidade de não hostilizar estes operadores financeiros e digitais e de não sobrecarregar as gerações vindouras com encargos adicionais, como se não fossem elas as primeiras vítimas do sub-investimento crónico.

Em face da pressão migratória e declínio demográfico a que a Europa está e estará exposta, é preciso definir uma política migratória europeia, contendo um novo sistema de asilo, programas de repartição e integração a par duma verdadeira parceria para o desenvolvimento de África. As forças conservadoras europeias continuam a arrastar os pés em tudo isto, argumentando agora que não podem dar mais argumentos às forças nacional-populistas, que apenas falam de fechar as fronteiras europeias e nacionais.

Mudar a direção do projeto europeu é possível. As escolhas de política são claras e os actores políticos que as propõem estão hoje organizados à escala europeia, incluindo uma recente internacional nacional-populista. Mas é preciso também que os cidadãos se envolvam em muito maior escala. Esse será o ponto de partida para um tempo de política à escala europeia, que transforme a natureza da União Europeia, de grande mercado em entidade geo-política de base democrática.