Artigo no jornal Expresso, publicado em 7 de abril

A União Europeia tem de mudar de natureza e adotar um orçamento à altura duma nova ambição. Em face dum mundo com vários polos de pendor nacionalista, torna-se evidente que o projeto europeu já não pode limitar-se a um mercado único ou a uma zona monetária. A Europa tem de afirmar-se como uma entidade geopolítica,  como um poder de base democrática com uma dimensão não só económica, mas também social e cultural.

Com a Rússia testando as nossas capacidades de soberania, com os USA numa deriva isolacionista, com a China apostando na eternização dum poder monolítico, a  Europa deve permanecer uma referência central da cooperação internacional com base num sistema multilateral. Isto está a traduzir-se nos acordos comerciais agora em negociação e numa capacidade mais coordenada de defesa, mas requer também numa ação externa mais consistente em várias frentes: cooperação para o desenvolvimento, financeira, energética, social, cultural mas também governação da Internet, como as recentes revelações sobre Facebook e proteção da vida  privada revelam. A proteção do modo de vida europeu dependerá cada vez mais da construção duma identidade e soberania europeias, que completem as identidades e soberanias nacionais.

Gerir a imigração tem de ser um novo vetor do futuro europeu. Cooperando com os países de origem para o seu desenvolvimento, organizando canais legais de imigração, coordenando a fronteira europeia, organizando a integração de imigrantes como um fator de reequilíbrio e abertura dum continente envelhecido. Mas como pode a Europa conduzir  esta grande operação evitando o eclodir de polos de tensão em múltiplas regiões e a emergência de forças xenófobas e nacionalistas, que estão a reclamar o regresso às fonteiras nacionais como a condição básica para a proteção dos cidadãos europeus?

A única forma de combater de forma eficaz esta ilusão nacionalista é dotar a Europa de meios poderosos para reforçar a sua coesão social e regional. A Europa precisa duma estratégia de investimento e emprego ambiciosa para se transformar numa economia circular de  baixo carbono e tirar partido da nova fase da revolução digital, que multiplicará os produtos e serviços inteligentes e conectados. Mas esta estratégia tem de estar ao alcance de todas as regiões e cidadãos e alavancar uma atualização dos padroes sociais para trabalhar e viver nesta nova economia. Por exemplo, de acordo com o Pilar Social Europeu agora aprovado, todos os que trabalham hoje- e serão cada vez mais!- para plataformas digitais deverão poder contar com um contrato de trabalho completo e pleno acesso ao sistema de proteção social. Sem isso, os chamados Estados Providência europeus deixaram de ter base de sustentação.

O novo orçamento plurianual europeu agora em discussão deverá conter respostas credíveis para estas ambições. As novas prioridades – defesa, imigração-  devem ser atendidas, mas não devem sacrificar os meios para a União Europeia cuidar da sua coesão interna, incluindo na zona euro onde o desenvolvimento duma capacidade orçamental específica é imprescindível se quisermos reverter a divergência sistémica no seu seio. Mas como obter os meios financeiros para tal? As contribuições nacionais poderão subir até 1,3% do PIB europeu, sobretudo de os Estados Membros se concertarem para obter novos recursos fiscais, não junto dos cidadãos, mas de quem tem margem para os pagar, como as empresas poluentes ou as multinacionais do digital. Esta foi a posição adotada pelo Parlamento Europeu, vejamos agora o Conselho!