Maria João Rodrigues

Presidente da FEPS, Fundação Europeia para os Estudos Progressistas

Apesar de uma série de crises, a União Europeia (UE) continua a ser o melhor exemplo de cooperação supranacional na história da humanidade. Será a sua sobrevivência possível num mundo caracterizado por tensões entre as grandes potências e pela tentativa de retorno das forças nacionalistas?

É isso que estará em jogo nos próximos anos, e é por isso que as próximas eleições europeias em Maio são tão decisivas, especialmente por se seguirem a outras eleições importantes nos Estados Unidos e no Brasil, que ajudarão a clarificar a situação política no continente americano. Na continuidade histórica da construção europeia, os socialistas, social-democratas e progressistas europeus são novamente chamados a desempenhar um papel central. O que é novo desta vez é que seu destino político também estará em jogo, porque já não poderão implementar a sua agenda política ao nível nacional a não ser que consigam alterar o quadro europeu.

Esta carta visa partilhar, a partir de uma perspetiva histórica, alguns elementos de reflexão sobre a direção a ser dada a cada uma das principais batalhas em que socialistas, social-democratas e progressistas se envolveram nas últimas décadas de integração europeia.

1). Enquadrar o mercado único europeu com fortes padrões sociais e políticas de coesão económica e social foi uma dessas batalhas fundamentais. Nos anos 80 e 90, a Comissão Delors conseguiu combinar o compromisso com o mercado único europeu com um conjunto abrangente de diretivas sociais, um diálogo social e um orçamento comunitário capaz de promover a coesão territorial. Isto foi decisivo para apoiar os esforços de recuperação dos muitos Estados-Membros que aderiram à UE, na sequência das vagas de alargamento que se seguiram. O papel do Grupo S & D no Parlamento Europeu também foi fundamental, nomeadamente no contexto da Diretiva de Serviços, mais recentemente, na atualização da Diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores e, finalmente, com o Primeiro Ministro (PM) Stefan Lofven, na adoção do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que atualiza um conjunto de padrões sociais para todos os cidadãos.

O próximo passo agora deve ser combater as desigualdades sociais, transformando essas novas normas em legislação europeia e assentes em políticas económicas e sociais dotadas dos meios financeiros adequados à sua implementação.

2). A segunda grande batalha foi a da governação económica; uma batalha na qual socialistas, social-democratas e progressistas enfrentaram muito mais dificuldades e muitas derrotas. A criação da União Económica e Monetária (UEM) foi marcada por uma arquitetura muito desequilibrada: uma união monetária sem união bancária ou orçamental. Seguiu-se a adoção de um Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) com um enviesamento ordo-liberal que favorecia a austeridade e o desinvestimento: um PEC que os progressistas não foram capazes de corrigir por falta de argumentos e força política. Procuraram introduzir algum reequilíbrio político baseado na adoção da Estratégia Europeia para o Emprego (EEE), um novo capítulo dos Tratados da UE certamente interessante, mas demasiado fraco para inverter a tendência negativa da austeridade. Ao negligenciar a necessidade de regular o sistema financeiro, a Europa foi severamente atingida pela crise financeira de 2008, que revelou também as fraquezas desta UEM, e gerou uma dinâmica de divergência económica, social e política no processo de integração europeia.

O próximo passo deverá ser o reforço da regulamentação do sistema financeiro e completar a arquitetura da UEM através de uma união bancária e de uma capacidade orçamental, pré-requisitos para o reequilíbrio da integração europeia. O papel do SPD neste esforço é particularmente importante.

3). A terceira batalha-chave teve alguns resultados positivos, mas é uma batalha que tem de ser prosseguida. Como conceber uma estratégia europeia para o crescimento, o emprego e a coesão social que possa tirar o máximo partido da transição energética e da revolução digital? A primeira tentativa de definir tal estratégia foi novamente confiada a Delors, mas foi com o primeiro-ministro António Guterres e dez outros primeiros-ministros socialistas que ela foi definida e adotada com sucesso pela UE. Esta estratégia viria a influenciar as políticas económicas e sociais de todos os Estados-Membros, incluindo as dos 12 novos Estados-Membros que aderiram à UE antes da crise financeira de 2008. Os conservadores aproveitaram esta crise para impor uma austeridade cega, que os socialistas e social-democratas não conseguiram evitar em face de fortes movimentos especulativos contra as dívidas soberanas. Mais recentemente, os socialistas e social-democratas começaram a ter a capacidade de lutar contra a austeridade, com o Primeiro-Ministro António Costa, em Portugal, e Udo Bullmann, no Parlamento Europeu, a promover um novo Plano Europeu de Investimento.

O próximo passo deve consistir em expandir este Plano para construir uma economia de baixo carbono e uma sociedade em que a inovação digital melhore a qualidade de vida de todos os cidadãos europeus. No entanto, será difícil financiar este objetivo sem que se proceda a uma grande reforma do sistema tributário, explorando novas fontes de receitas (financeiros, digitais, poluição) para financiar não apenas a infraestrutura, mas também novos sistemas de educação e proteção social, capazes de apoiar todos aqueles que transitam para estes novos tipos de empregos. Além disso, a transformação digital requer uma grande mudança na abordagem progressista: a Internet das Coisas, a nova computação em nuvem e a Inteligência Artificial podem trazer progresso, mas é necessário definir novas regras capazes de evitar um pesadelo do tipo “Big Brother“.

4). Tornar a UE num protagonista na governação internacional foi o objetivo da quarta vaga de integração europeia para os socialistas, social-democratas e progressistas. Para o implementar, puderam contar com instrumentos importantes da própria União Europeia, uma vez que membros desta família política ocuparam sucessivamente o cargo de Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança – Solana, Ashton e Mogherini. As duas últimas foram incumbidas de ativar todo o potencial do Tratado de Lisboa: Ashton criou o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE) e Mogherini desenvolveu a capacidade de defesa europeia. Uma primeira estratégia global da UE foi desenvolvida por Solana no rescaldo da guerra no Iraque, seguida por uma segunda, na época de Obama, e, portanto, antes da chegada de Trump à presidência dos EUA, por Mogherini. O Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas foi uma grande conquista, graças à preparação minuciosa de Ségolène Royal. Desde então, e apesar da presença de Guterres ao comando da ONU, defender e atualizar o sistema multilateral de paz, cooperação e desenvolvimento sustentável tornou-se mais difícil.

A próxima batalha será a de como utilizar o peso político da UE no sistema multilateral e nas relações bilaterais da UE – tanto nos acordos comerciais como em parcerias mais abrangentes – para construir uma coligação internacional que proteja o multilateralismo e que responda aos novos desafios globais como as alterações climáticas, a pobreza, as finanças, a transformação digital e a democracia. A UE deve afirmar-se como uma entidade geopolítica por direito próprio; muito mais do que apenas um grande mercado. Esta afirmação de soberania europeia foi claramente expressa na Declaração de Roma de 2017, patrocinada por Primeiro Ministro Paolo Gentiloni.

5). Quem teria pensado, no entanto, que os principais desafios que a UE enfrenta atualmente em matéria de integração, viriam da vizinhança mais próxima e mesmo da própria UE? Foi o que aconteceu quando conflitos militares de grande envergadura, combinados com problemas sociais, no Médio Oriente e em África, provocaram grandes fluxos de refugiados. A primeira reação da maioria dos cidadãos europeus foi recebê-los e protegê-los; mas, em muitos Estados-Membros, seguiram-se as reações xenófobas, fortalecendo movimentos autoritários, nacionalistas e antieuropeus, que já vinham a desenvolver-se por outras razões, como o desemprego e a precariedade social.

Depois de algumas divergências e hesitações, socialistas, social-democratas e progressistas têm vindo a propor, como parte do seu próximo combate, uma gestão ordenada e global das migrações baseada em valores: um sistema europeu de asilo, fronteiras europeias, reforço das parcerias com a vizinhança, criação de corredores de migração legal. Na afirmação dos nossos valores fundamentais, os relatórios de Cécile Kyenge e Brando Benifei no Parlamento Europeu foram marcos, as propostas de Gesine Schwan ilustram o melhor do espírito europeu, e o resgate de refugiados liderado pelo Primeiro Ministro Pedro Sánchez foi um momento altamente simbólico.

6). O confronto de posições sobre migração e a proteção dos refugiados foi amplificado por nacionalistas autoritários em vários Estados-Membros, a fim de ocultar um confronto de posições mais fundamentais sobre normas democráticas e a proteção dos direitos civis dos cidadãos europeus. Isto está agora a transformar-se num grande confronto sobre a democracia a todos os níveis da União Europeia. Para os nacionalistas, a União Europeia enfraquece a governação democrática; para os progressistas europeus, o nível europeu é indispensável para o aprofundamento da governação democrática. Este é a nossa sexta batalha, na qual Jo Leinen e Mercedes Bresso se têm destacado com propostas inovadoras.

A próxima luta deve ter como objetivo aprofundar a democracia a todos os níveis e garantir que a UE tem os meios para assegurar o cumprimento das normas democráticas em todos os Estados-Membros, reforçando o conteúdo da cidadania europeia, na continuidade do que foi feito durante as presidências de Enrique Barón, Josep Borrell e Martin Schulz do Parlamento Europeu. Também aqui enfrentamos um novo desafio: o de que manipulações cibernéticas possam perturbar o exercício dos direitos políticos democráticos. Devemos estar plenamente conscientes do problema para melhor lidar com ele.

Tenho memórias vívidas de muitas destas batalhas. Como Ministra do Emprego de Portugal no Governo Guterres, participei na criação da Estratégia Europeia para o Emprego. Mais tarde, na qualidade de vice-presidente do Grupo S & D, fui relatora do Parlamento Europeu para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e para o programa de trabalho da Comissão Europeia. Enquanto membro de equipas de Presidência da UE, participei nas reuniões do Conselho Europeu durante dez anos. Fui encarregada de definir a Estratégia de Lisboa para o Crescimento e o Emprego e divulgá-la em toda a Europa e para além dela. Além disso, integrei as negociações finais do Tratado de Lisboa e, ao preparar a declaração da UE sobre a globalização, participei em várias cimeiras com parceiros estratégicos da UE: China, Índia, Brasil, Estados Unidos e Rússia. Entretanto, tive também o privilégio de trabalhar pessoalmente com todos os presidentes da Comissão Europeia desde Jacques Delors, com a única exceção de Barroso.

Estes foram bons tempos. Mas também tenho lembranças mais dolorosas: os esforços consideráveis ​​que fiz para mobilizar redes pan-europeias de políticos e peritos para evitar a catástrofe da zona euro, e me deparar com um muro resistente; assistir ao aumento da pobreza e da miséria provocado pelos cortes cegos nas pensões e salários impostos por uma troika irresponsável; a incapacidade frustrante da UE de agir, enquanto refugiados se afogam no mar … Alegria, raiva, frustração, mas também, em última análise, esperança. Estas são as emoções que senti ao longo do meu percurso e que me levam novamente a investir com os meus colegas europeus na (re)invenção da União Europeia.

Que estas notas inspirem o debate que se seguirá!

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